sábado, 21 de abril de 2018

Os Moradores do Sítio do Picapau Amarelo

  
Os personagens de Monteiro Lobato possuem uma importância para o imaginário infanto-juvenil e popular, análogo à importância dos personagens Asterix para os franceses e os personagens de Walt Disney para os americanos. Cláudio Cardoso de Paiva As personagens que habitam o Sítio, os seus moradores, têm cada qual uma função tracartográficas, extraespaciais e extratemporais, e viver os indescritíveis mundos má- gicos” (CARVALHO, 1989, p. 156). A liberdade de ação da criança, mostrada por Monteiro Lobato, desde Reinações de Narizinho, seduziu os seus pequenos leitores que se imaginavam soltos para viver todas as aventuras possíveis, com o conseqüente afloramento da curiosidade de conhecer o mundo, em seus detalhes. No Sítio, todas as personagens são felizes, livres e vivem sem regras muito severas. As crianças são orientadas apenas a seguir os horários das refeições e de dormir. Essa é a hora sempre muito esperada por todos, porque nesse sítio, ninguém vai para cama sem antes ouvir as histórias que dona Benta conta.
                          Dona Benta: A Contadora de Histórias 

A personagem surge, na primeira versão de Reinações de Narizinho, com mais de setenta anos. Na versão posterior, a partir de 1934, a “pobre velhinha” já havia sido substituída por uma velha de mais de sessenta anos, em virtude das ativas participações nas aventuras propostas por seus netos. Nas adaptações feitas para a televisão, dona Benta foi rejuvenescida ainda mais. Mostra uma senhora muito bem disposta e, nesta versão apresentada pela TV Globo, a partir de outubro de 2001, a personagem ganhou até computador, microondas e vive às voltas com várias campanhas sociais. Dona Benta é a figura simpática da avó, inteligente e livre-pensadora, dona de uma notável bagagem de experiência, sabedoria e compreensão; constitui-se no símbolo da razão e do bom senso, a guiar e formar o bando travesso e ávido de curiosidade. Dona Benta constitui o elemento neutralizador da ação erudita do Visconde, simplificando sempre os conhecimentos e tornando claras as idéias complicadas do ‘sábio’ (CARVALHO, 1989, p. 157). Essa personagem é a que une o mundo real com o mundo imaginário, pois possui a grande e nobre tarefa de contar histórias a seus netos. Esse papel de contadora de histórias é desempenhado, com maestria, por dona Benta, porque ele tem o seu jeito especial de transmitir as clássicas narrativas. Sentada em uma cadeira, dona Benta traz sempre consigo um livro às mãos. Com isso, revela a fonte de sua sabedoria, pois mostra que possui conhecimento das histórias por meio dos livros que compõem a sua biblioteca. A fórmula que dona Benta descobriu para contar histórias é muito simples. Com o livro às mãos, a personagem valoriza esse meio de comunicação e fonte de suas narrativas e ao invés de apenas ler suas páginas, conta a história, com suas próprias palavras, utilizando gírias e termos que as crianças conhecem. Consegue unir o livro, uma leitura solitária à arte de contar histórias, uma socialização das emoções. 

Tia Nastácia e Tio Barnabé: 
Representante da cultura popular, a escrava e moradora do Sítio é a única que não tem conhecimentos de livros, só a sabedoria recebida através dos seus antepassados. Conhece os remédios caseiros, os benzimentos, as histórias de tradição oral, as lendas e os mitos, como Saci e a Cuca, além de outros, e nutre por eles um forte sentimento de medo. Tia Nastácia vive se benzendo para se proteger de todos os males e, principalmente, quando ouve as histórias extravagantes que as crianças contam, justamente por não conseguir entendê-las. Ao criar essa personagem, Lobato quis retratar a presença das escravas, que ganhavam alforria, mas que continuavam prestando serviços aos antigos donos. O mesmo aconteceu com tio Barnabé, que continuou morando em um casebre, nos limites do sítio, um exemplo da atitude dos senhores que não tinham o que fazer com os antigos serviçais. Tia Nastácia, figura folclórica de preta velha, cuja ignorância, pura e ingênua, é vivida na plenitude de suas superstições, herança dessa boa raça negra, representa uma personagem também imprescindível à obra. O tio Barnabé com a tia Nastácia formam ambos os canais humanos do Folclore na obra lobatiana (CARVALHO, 1989, p. 157).

Visconde de Sabugosa
 O cientificismo de Lobato Criado a partir de uma espiga de milho, o Visconde de Sabugosa representa, simbologicamente, o conhecimento científico, adquirido pelo “contato” com os livros na biblioteca do Sítio. Essa personagem “nasceu” de uma brincadeira de Narizinho e Pedrinho, que estavam à procura de um pai para o Marquês de Rabicó, o porco, para pedir a mão de Emília em casamento a seu filho. Essa brincadeira com espigas de milhos, chuchus, abobrinhas era comum nas zonas rurais e Lobato confessou ter utilizado-os para brincar com suas irmãs. Diz o autor que brinquedos industrializados não tinham vida, por isso aqueles que eles mesmos criavam podiam sofrer transformações até ir para a lata do lixo. O Visconde é a personagem que identifica o autor no mundo das ciências, com explica- ções exatas para todos os acontecimentos e, como conseqüência de sua extrema sabedoria, torna-se cansativo na opinião dos moradores do Sítio. O título de visconde parece ser, também, uma referência ao avô de Lobato, o Visconde de Tremembé, “figura que aparece com força nas suas memórias de infância”, além de dualidades de admiração e de diferenças de opiniões. “Talvez seja a razão de Lobato matar e ressuscitar tantas vezes o herói-sabugo?” (PENTEADO, 1997, p. 212). “O Visconde de Sabugosa é símbolo da erudição alienada das realidades, ilhado em seu mundo livresco, a consumir-se entre as prateleiras e a poeira das estantes”, afirma Bárbara Vasconcelos de Carvalho (1989, p. 157). O Visconde desempenha funções importantes em quase toda a obra. De fato, vai-se tornando mais ‘simpático’, um ‘gigante’ em Chave e, na última história, é vítima de umaloucura ‘heróica’, o que indica um desejo interior de Lobato de redimi-lo. Não fosse a posição assegurada de Emília, na obra de Lobato, como personagem principal, o Visconde de Sabugosa poderia ter tido suas pretensões ao estrelato (PENTEADO, 1997, p. 213). Na atual adaptação feita para a televisão, o Visconde aparece com tamanho reduzido, dando a ele um sentido mágico e sobrenatural, valorizando o fato de ter sido anteriormente uma simples espiga de milho.

Pedrinho: o menino Lobato 
 Quando criança, viveu muitas aventuras na fazenda de seu avô. Pescar, caçar e ouvir histórias das criadas eram suas distra- ções. Quando imaginou o Sítio, colocou-se como Pedrinho, revivendo as suas próprias molecagens. Pedrinho é o menino que mora na cidade, filho de Antonica, neto de dona Benta. Não vê a hora de chegarem as férias para ir para o sítio de sua avó, brincar com Narizinho e Emília. Participa de todas as aventuras e está sempre pronto para caçar o Saci. Pedrinho é a infância reencontrada, reinventada e revivida do seu criador. É o potencial másculo na integração do cenário humano; encenando a sua atuação de homem, desenvolvendo a personalidade masculina do inconsciente jogo lúdico, pondo em evidência as suas características: ‘Este meu neto vai, quando crescer, virar um grande homem, não resta dúvida’. ‘Pedrinho é um menino que promete, confirmou tia Nastácia’. Eis os prognósticos da avó e da preta velha, através dos quais o próprio autor se projeta e se de- fine (CARVALHO, 1989, p. 156). Além disso, Pedrinho é o elo que liga a cidade ao campo, contando as novidades, inserindo o leitor em um mundo que conhece.

                                         
                                  Narizinho: a Alice de Lobato
A personagem Lúcia, de apelido Narizinho, é a representação da menina, a heroína pronta para viver inúmeras aventuras, com graça e simplicidade, próprios da infância, juntamente com seu primo, o Pedrinho. Narizinho, ao ganhar vida nos livros de Lobato, mostra a sua semelhança com Alice, a do “País das Maravilhas”, em relação ao seu ímpeto de criatividade nas brincadeiras, vivendo seus contos de fadas, com grande naturalidade: ... a primeira versão de A Menina do Narizinho Arrebitado mostra que seu ponto de partida foi a invenção de Lewis Carroll, quando em 1862 escreve Alice no País das Maravilhas. Tal qual Alice que, brincando no jardim, está quase adormecendo quando vê passar um coelho vestido consultando um reló- gio, e ao persegui-lo entra em uma toca que a leva ao ‘país das maravilhas’, também a Lú- cia de Lobato já ia adormecendo à beira do regato, no sítio da avó, quando sente cócegas no nariz e ali vê um peixinho e um gafanhoto, muito bem vestidos e conversando... e acaba por seguir o peixinho-príncipe, entrando no maravilhoso Reino das Águas Claras. Ambas as personagens (a de Carroll e a de Lobato), no final, voltam para a realidade comum, no momento em que acordam: tudo não passara de um sonho...(COELHO, 1995, P. 851). O escritor, ao criar Narizinho, uma menina diferente às de sua época, com um espírito questionador, de imensa curiosidade e desenvoltura em suas brincadeiras, apesar de seguir alguns padrões estabelecidos paraa sociedade, como ser cozinheira, costureira e andar sempre com uma boneca, brinquedo preferido pelas crianças do sexo feminino. Lobato, ao criar a Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, esperava mostrar ao mundo uma menina moderna, sem perder os seus princípios femininos. Para Bárbara Vasconcelos de Carvalho (1989, p. 157), o retrato de Narizinho seria assim: “...eis aí Narizinho a brincar o eterno brinquedo da mulher: companheira, mãe, equilíbrio da natureza humana, em seu relacionamento dentro da obra com Pedrinho e a Boneca, perfeitamente situados pelo seu criador, através dos quais se realiza o seu papel simbólico”.




 Emília: a fada brasileira Se Lobato criou Narizinho à imagem de Alice, de Lewis Carroll, Emília também já tinha um antecessor, o famoso Pinóquio, de Carlos Lorenzini, o Collodi. O boneco era feito de pau e é lembrado em Reinações de Narizinho, como o Faz-de conta, feito também de um pedaço de pau pela tia Nastácia. Apesar dessa referência que Lobato faz, na verdade a essência da Emília lembra o Pinóquio, um boneco que não aceita facilmente as circunstâncias que a vida impõe, questiona, reivindica os seus direitos, mas agrada a todas as crianças do mundo. ... Pinóquio retrata o espírito de um povo e de uma época, dentro de seu conteúdo universal. Insinua a filosofia do livre-arbítrio. Pinóquio ‘é sempre um padrão de suas determinações’, princípio do livre-arbítrio... (CARVALHO, 1989, p. 112). Ao imaginar Pinóquio, Collodi evoca idéias bíblicas do relacionamento pai e fi-lho, o abandono do lar pelo filho, o sofrimento decorrente de tal ato e a volta ao lar, pois segundo o ditado “o bom filho à casa torna”, com o conseqüente perdão do pai e o aprendizado que recebe ao mostrar-se um bom menino, tornando-se humano. É, realmente, uma obra de arte, em seu dualismo filosófico: boneco de pau, filho humano; no seu pluralismo despretensioso de relações humanas; na realização de uma verdadeira obra de ficção – Pinóquio é um tipo literário universal (CARVALHO, 1989, p. 112). O autor de Pinóquio, por sua vez, também recorreu às fontes primárias das histórias de tradição oral. Foi buscar seu boneco nos heróis mitológicos da Grécia antiga, repletos de significações, para justificar o destino do homem e os rumos de sua vida. Inspira-se na Mitologia grega para criar seu boneco de pau: Jápeto era pai de Prometeu, que criou o homem do limo da terra e o animou para a ira de Júpiter. Geppetto era pai de Pinóquio, e criou-o de um pedaço de pau, para castigo de sua audaciosa pretensão (CARVALHO, 1989, p. 112).

Em Reinações de Narizinho, Emília “nasce” de forma discreta, não tinha proje- ção. Era apenas uma boneca que começou a falar e a fazer parte das histórias. O crescimento da personagem foi notável e essa simpatia de Lobato por ela transformou-a na boneca mais conhecida do mundo. Na opinião da pesquisadora Nelly Novaes Coelho (1995, p. 854), “quanto à humanidade de Emília, torna-se impossível detalhar aqui a atuação da boneca Emília nas várias situações em que ela se revela comoo protótipo-mirim do ‘super-homem’ nietzschiano, com sua Vontade de Domínio e exacerbado individualismo...”. Alter-ego de Lobato, que diz: “literatura é voz e Emília foi a minha voz. O meu arranco, o meu espanto e será a minha despedida. Dei meus gritos através dela me salvando da loucura e de tantos aborrecimentos, Emília sempre esteve comigo, filha amada e zombeteira, minha boneca de pano contra as burrices do mundo e contra a ‘estupidez humana’ ”... (DANTAS, s.d., p. 115), representada pela livre maneira de pensar e falar, principalmente por se tratar de uma boneca, tomou rumos que chegou a assustar o próprio autor (s.d., p. 341), que confessou a Rangel, em uma de sua cartas: (A Emília) começou com uma feia boneca de pano, dessas que nas quitandas do interior custavam 200 réis. Mas rapidamente foi evoluindo e adquirindo tanta independência que (...) quando lhe perguntaram: ‘mas que você é, afinal de contas, Emília?’ ela respondeu de queixinho empinado: sou a Independência ou Morte! E é tão independente que nem eu, seu pai, consigo domá-la. (...) Emília que hoje me governa, em vez de ser por mim governada”. Nelly Novaes Coelho (1995, p. 854) fala mais uma vez de Emília, como a fi- gura marcante da produção literária infantil de Lobato: “indiscutivelmente, ela é a personagem-chave do universo lobatiano, pois é a única que vive em tensão dialética com os demais e também a única que sofre transformações em sua personalidade”. A simplicidade de uma boneca feita de retalho de pano aliada à esperteza em falar tudo o que vem à mente, fez de Emília, a “dadeira de idéias”, a personagem mais conhecida de todo o universo lobatiano. E, como prova disso, muitas opiniões se convergem para enaltecer o papel dessa boneca, que ganhou espaço nos livros e na televisão.


                            Conselheiro, Marquês de Rabicó 
O Quindim Esses animais também “moram” no Sítio, mas não fazem parte das personagens fixas, atuantes em todas as aventuras. São exemplos da literatura fantástica, pois eles falam, pensam e demonstram seus sentimentos. Para Whitaker Penteado (1997, p. 212), os três formam “um trio, ilustrativo do sincretismo criativo que Lobato estabelece entre os três mundos da fantasia: pessoas, animais e brinquedos”. Um burro que fala, vindo do País das Fá- bulas, o Conselheiro; um porco que tem a irracionalidade do animal, representada pela gula e um rinoceronte, que domina a língua portuguesa, e tem um nome delicado, contrá- rio à sua aparência, compõem o elenco das personagens de sentido maravilhoso, ao lado do Príncipe Escamado, um peixe, entre outros que deram vida à obra de Lobato.
  Fonte de pesquisahttp://www.bocc.ubi.pt/pag/marcolla-rosangela-monteiro-lobato-contador-de-historias.pdf

Nenhum comentário:

Postagem em destaque

PROJETO ESCOLA QUE PROTEGE

 EM MIMOSO DO SUL, ES. CEIM JARDIM DE INFÂNCIA “CORINA BICALHO GUIMARÃES” ABRAÇA A DEFESA DAS CRIANÇAS, COM O PROJETO “ESCOLA QUE PROTEGE” N...

OLINE